quarta-feira, novembro 19, 2003

Perdoa-me (não te ter perdoado)

O Perdão é diferente do Desculpar, só se pede quando se sente no fundo que se atingiu um outro fundo, só se dá quando se sente que o outro fundo sentiu tão fundo que o nosso fundo e o dele se podem novamente elevar e olhar a luz de frente, sem cavidade por onde a sombra possa descansar.

Pedir perdão é quase tão difícil quanto o acto de perdoar, ou talvez não. Talvez estejam ambos no mesmo patamar, roçando o mesmo grau de dificuldade. Perdoar é um grande exercício, um grande exercício que revela enormes capacidades por detrás. Não é qualquer um que perdoa. Perdoar não é voltar atrás, perdoar é olhar em frente com uma breve passagem às costas do presente.

Perdoar não é relevar, perdoar é esquecer. É esta amnésia voluntária que não é para todos. É-o só para aqueles que são grandes por si só, cujo coração bomba nobreza em todo o seu esplendor e cujo amor transpira por cada poro.

Pedir perdão por não ter perdoado é ajoelhar sem vergonha, porque se atinge um patamar de percepção do outro, que já passou por onde se está a passar agora. Pedir perdão por não ter desculpado é porventura mais difícil que perdoar, mais difícil que pedir perdão.

A remissão dos pecados é-nos dada não pelo perdão em si, mas pela nossa consciência. Somos nós que ditamos o veredicto final. É por isso que muitas vezes esperamos a absolvição através do outro, é por isso que muitas vezes sofremos sem querer saber porquê. Eu já dormi sobre a minha consciência, já acordei por ela e com ela, já fiz esse caminho.

Perdoa-me ter pedido desculpa e não te ter perdoado, perdoa-me agora que vejo que o teu perdão vem na sequência do meu, que não foi dado, mas que te é pedido agora. Perdoar é difícil, agora o sei, perdoa-me não o ter sabido quando tu também o precisavas.

Perdoa-me, não te ter perdoado.